sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Os dois lados do saneamento básico

Somente 44% dos domicílios do país têm acesso à rede geral de esgoto e apenas um em cada três municípios faz o tratamento do esgoto

Tempos atrás participei de um debate sobre saneamento. Falei logo que ter água em casa faz toda a diferença para as pessoas. Afinal trata-se do bem que preserva a vida. Sem duvidar, emiti a minha opinião: como é bom ter água encanada! Dá para cozinhar, tomar banho e lavar as mãos sem grandes dificuldades. Com satisfação podemos comemorar que 84,4% dos domicílios no país tem acesso a rede de água, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), de 2009.
A discussão seguiu para um ponto que até então tinha sido esquecido. O que acontece com a água que entra na casa e sai na forma de esgoto da cozinha, banheiro e lavanderia? Vai para a fossa séptica ou para a rede de esgoto. Cerca de 80% da água encanada sai das casas na forma de esgoto.
 De fato, acesso à água é apenas um lado da moeda. Em mais da metade das casas, o esgoto vai para as fossas sépticas (muitas vezes precárias) ou para a rede pluvial e daí direto para a rua ou córrego mais próximo, com a falsa sensação de que o esgoto foi mandado para longe. Segundo a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB 2008), somente 44% dos domicílios do país têm acesso à rede geral de esgoto e apenas um em cada três municípios faz o tratamento do esgoto que é coletado. No Norte e Nordeste esse porcentual é menor. Existem estados nos quais a situação é inversa. Foram realizados investimentos públicos para construir as estações de tratamento de esgoto, mas a população se nega a ligar o imóvel na rede de esgoto. E o poder público não pode obrigar a população a pagar a taxa de ligação e uma tarifa mensal, que, em média, pode elevar a conta de água cerca de 40%. Por isso o assunto de água deve estar casado com o esgoto, não tem jeito. As pessoas precisam ser convencidas de que são responsáveis pelo esgoto e focos de doenças, que produzem.
As crianças doentes faltam mais na escola. Com isso elas têm mais dificuldade para aprender e serem aprovadas. Essas crianças têm um aproveitamento na escola 18% menor que das crianças com acesso ao saneamento básico (Pesquisa Saneamento, Educação, Trabalho e Turismo - Trata Brasil /FGV, 2008). Quando se junta tratamento de esgoto, água encanada e coleta de lixo, no Brasil, são 5 milhões de crianças que não têm esses três serviços juntos (Síntese dos Indicadores Sociais (SIS) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, 2010). Quem convive com o esgoto na porta de casa sabe como é.
Quanto mais esgoto a céu aberto, mais doenças, internamentos e mortes, especialmente de crianças. Parece que o poder público e a sociedade por vezes voltam na história, para uma época em que se acreditava que as doenças eram frutos do acaso, ou de forças sobrenaturais. Precisamos acordar do sono encantado que nos impede de que associarmos a doença com a sujeira.

Clovis A. Boufleur é gestor de Relações Institucionais da Pastoral da Criança.

Nenhum comentário:

Postar um comentário